Covidismo
Porque COVID-19 não é matéria só da Amadora, mas também é, aqui fica uma pequena reflexão numa tarde de recolher obrigatório durante um Estado de Emergência.
Eu não cheguei a viver num regime de um só homem, o pai de todos nós, num país governado por um ditador. Ou melhor, cheguei, mas nem dei por isso, nasci em 1967 e, a nossa ditadura, aqui, em Portugal, terminou (ou foi ajudada a terminar) em 74. Mas lembro-me bem de histórias contadas pelos meus pais, mais do meu pai, a propósito disto ou daquilo, contar como “era dantes” e, eu, verdade se diga, duvidar um pouco desses relatos. Lembro-me, em particular, daquela, em que o meu pai contava, a de ele e outros, na sua juventude, estarem no largo, no Terreiro, em Caminha, à noite e, por causa de umas ameixas maduras, ou laranjas, ali “à mão de colher” nas árvores, do Terreiro, ou de algum episódio de importância parecida, terem sido abordados pela GNR, de terem, nessa altura, é um facto, “abusado” um pouco da paciência dos militares, ou do militar, desta força policial, de ter, nesta ocasião, ou em outra, de gravidade semelhante, ter ido dar um “passeio” até ao posto e, daí, segundo este, não terem passado, os seus delitos de juventude e, alguns anos depois, ficar a saber, assim, já farto de tentar, saídas profissionais, no Estado, alguém, uma “cunha” bem promissora, em mais uma tentativa, lhe dizer, porque é que não o conseguia e, o aconselhou a desistir dessa via. Tinha ficha na PIDE. Naquela longínqua noite, em Caminha, na noite das ameixas maduras, a presença, no grupo de amigos, de alguém já sinalizado pela PIDE, “contaminou” todos os que ali estavam, todos foram considerados inimigos do estado, da Pátria ou da coisa que o valha.
Hoje, nesta altura, em plena pandemia, aqui, quase 9 meses debaixo disto e de inúmeras opiniões, quase todas sempre no mesmo sentido, percebo aqueles tempos, os de uma ditadura, percebo, como esta, ou tiques desta, não são difíceis de serem aceites, percebo como muita gente que a viveu, de quando em vez, diga do que isto precisava era de outro homem igual. Vejo como é afinal fácil, invocando uma causa comum, ou um medo, ou um inimigo comum, ter a maioria das pessoas prontas a seguir alguém, a perseguir outros, os culpados de tudo, sem fazerem muitas perguntas.
Hoje, está enraizado que a pandemia alastra por nossa causa, por causa do nosso mau comportamento e, daqui não se passa. Se os “números” aumentam muito, é por nossa causa e, aí surgem mais e mais medidas, para tentar conter esses aumentos, restrições, restrições ao nosso comportamento, à nossa vida. E a maioria das pessoas, hoje, como em todos os tempos, pelos vistos, são os melhores esbirros de quem manda, são mais papistas do que o Papa, comportam-se pior do que quem manda, ou de quem tenta fazer cumpri essas medidas. São uns seguidistas, uns covidistas, sem questionar nada, sem pensarem um pouco, sem refletir um pouco, pelo menos no alcance e eficácia de algumas delas, das medidas, tudo está errado no comportamento do outro, todos os outros, que não eles, são uns estúpidos, uns burros, os culpados disto estar como está. Não existe meio termo. Não existe o benefício da dúvida. Talvez nem tudo seja apenas causa efeito do comportamento daquele e de aqueloutro. Isto não é a preto e branco. De facto, hoje, as pedras que por aí existem, são poucas para atirar “à mulher pecadora”, que é como quem diz, para atirar, não só aquele (ou muitos aqueles) que vai ali sem máscara e, não deve de facto ir e, que é confundido com a floresta sendo apenas a árvore no meio disto tudo e, aqueles que questionam alguma coisa, também têm umas pedras reservadas para eles. Nada se pode questionar. Tudo é bem feito. Questionar provoca a dúvida e, o sentido único, o seguidismo, o covidismo, não aceita bem isso, ou desconhece mesmo essa faculdade, a de pensar, logo, duvidar por vezes, não de tudo, mas de uma ou outra coisa, do que nos é dito, do que nos é “servido”.
Em Março, os seguidistas, puseram-se ao lado, claro, de quem decretou, em nome da saúde pública, de entre outras medidas, o confinamento total. Nada a apontar a isto. Mais tarde, como a vida é um bem precioso, mas a existência, é mais complexa, não basta estar vivo, temos que ir vivendo, os seguidistas, numa atitude revolucionária, quase que foram contra quem seguiam, quando para além da saúde, a economia, outra vertente necessária à nossa existência, também foi ponderada e, depois de isto estar quase em frangalhos, quem manda, em Abril, Maio, decidiu, o desconfinamento gradual, aí quase que deixou de existir seguidistas. Mas aos poucos estes voltaram. Hoje, o equilíbrio entre a saúde pública e a economia, durante esta pandemia, parece que é uma condição aceite por todos, mesmo pelos seguidistas, embora, alguns, muitos, destes, ainda contestem isto, defendem, o confinamento total, uns seguidistas, uns covidistas que são tão egoístas que não se importam que este o confinamento, não seja assim tão total, não se importam que uns arrisquem, para que outros, como eles, tenham, entre outras coisas, comida na mesa. Dias virão, em que uma terceira componente da vida, a vida social, deixe de ser proscrita, venha a ser aceite, venha a ser considerada tão importante como as outras duas, com aumento ou diminuição da pandemia e, os seguidistas, os covidistas, deixem de ter a quem atirar pedras.
A vida é um todo, não é uma parte, com ou sem pandemia. Não adianta combater, contrariar, uma parte dela, em nome de uma outra, o caminho será encontrar a “fórmula mágica” de tudo isto coexistir.
Nota: Aos seguidistas, aos covidistas, aos defensores de que isto é tudo culpa do mau comportamento dos outros, deixo as seguintes perguntas: Em Agosto o número de infetados, creio, em Portugal era cerca de 30.000, ontem eram mais de 200.000, isto é apenas por mau comportamento? Na primeira vaga, tudo começou a norte, em Portugal, a explicação foram as “ligações” a Itália, das indústrias do calçado, hoje, mais de 60% do número de novos casos, voltou a ser no Norte, provavelmente, a segunda vaga virá a repetir a tendência da primeira, virá a ser de novo mais problemática, daqui a uns tempos, em Lisboa e vale do tejo, isto é porque, agora, no Norte, voltaram a ser os mais mal comportados, mas depois, por aqui, voltamos a ser nós, ou existem mais algumas explicações, para além disto, do básico, do mau comportamento? Têm que existir. O óbvio leva a essa conclusão. E quanto mais se insistir apenas, ou quase, no mau comportamento, como indiciam a maioria das medidas e explicitamente se diz, quando se apela à responsabilidade individual, menos se vê ao redor, menos se encontra fora disto e, a pandemia vai fazendo os seus danos, mais ou menos, indiferente a isto tudo, aos dedos apontados uns aos outros.
para além do mau comportamento?